Um Livro?

Sei lá... Comecei a escrever esta história por volta de 1990 e nunca a acabei - quem sabe, você verá onde isto vai dar, agora.

Sexo e Feitiçaria é uma história de ficção, sobre um cara que apesar de ser absolutamente cético sobre amor (e feitiçaria) se vê envolto em uma trama sem sentido, sem lógica, que o leva a ter experiências malucas envolvendo Sexo, Feitiçaria, experiências extra-sensoriais e essas bobagens todas.

Ah, é preciso dizer: não há nenhum crime a ser desvendado na história, portanto, se você gosta de mistério lógico, hmmm... Não perca seu tempo lendo estas abobrinhas.

Estou revisando partes que já tinha escrito e publicando aqui, bem como escrevendo novas partes.

Não sei se chegarei a acabar a história, ou se acabarei terminando abruptamente como uma novela da Globo que não obteve audiência.

Mas uma coisa é certa, se você se propuser a ler isto aqui: ler um livro em formato blog é estranho, por que os capítulos estão em ordem reversa (o último está no começo, e o primeiro no final).

Mas veja pelo lado bom, pelo menos as frases estão na ordem certa.

Também, possivelmente existirão montes de erros no texto, e milhões de revisões, assim como capítulos fora de ordem e sem finalização.

É isso... Este é um livro fazendo força pra nascer... Leia "as is" (é Beta... Não encha o saco, e leia do jeito que é) :))

(e não se esqueça de começar pelo final... Desça a página do browser e procure o último post, sempre, seguindo leitura com o que estiver acima, e assim por diante)

There we go!

Rico (o Autor)

sábado, 3 de outubro de 2009

Capítulo I





O primeiro contato 


Não consegui dormir aquela noite .

Fritava como peixe na frigideira, virando de um lado e de outro, na cama, e.acabei rondando pela sala de meu apartamento, que tinha uma daquelas enormes janelas para o nada, e uma sacada de onde se podia ver parte da cidade - na realidade , eu enxergava um amontoado de prédios velhos, tapando a visão para o resto do mundo .

Com as luzes apagadas , um copo de whisky doze anos afogando duas pedras de gelo em minha mão e mantendo as largas portas de vidro fechadas, tinha uma sensação reconfortante de ser observador neutro da raça humana .

Por trás da fina garoa da madrugada que embaçava levemente a melancólica visão urbana , eu ficava pensando inquieto : “-Será que eles não percebem o tempo que estão desperdiçando em suas camas , dormindo ?”

Aliás, estava tudo muito esquisito, aquela noite .

Meu corpo estava eletrizado, como se estivesse sendo atacado por minúsculos organismos que iam comendo minha calma e minha paciência pelas pernas. Eu podia sentir suas patinhas subindo - coisa de gente doida.

A concentração normal de um ser humano era uma meta inalcançável para mim .


“- Merda ! Por que isto tinha de acontecer de novo !?”


Um cara normal percebe que está sendo chamado de volta ao jogo quando sente que precisa fazer algo a respeito, e acha um saco ter de esperar que o resto da humanidade resolva acordar para ouvir os seus lamentos e opiniões.

Pessoas diriam que é melhor saber que se perdeu alguém a quem se amou, do que nunca ter sido amado.

Eu discordo completamente desta premissa! Sou egoísta! Para mim , não é o bastante ...

Eu poderia viver sem amor. Sem aquela chateação constante me sugando a mente para um pensamento repetitivo e doentio, depressões, inseguranças, ciúmes e esta minha inquietação diante de uma janela - àquela altura da noite, a melhor coisa que construíram neste meu moderno, minúsculo e mal projetado apartamento.

O verdadeiro amor, aquele que não foi forjado em cima de uma certa preguiça de emoções, sempre termina em desgraça!

Sentei no sofá que havia colocado de frente para o grande oráculo translúcido com vista para a selva de concreto pintado e rachado, e tomei a grande decisão daquele último segundo de razão:

“- Nunca mais amarei ninguém! - e isto inclui aquela garota com quem transei selvagemente esta tarde, e não sai da minha cabeça neste momento ... “

Já tive alguns mal momentos em minha vida por causa de mulheres . Não tenho nada contra elas , nenhum preconceito ou algo do gênero.

Eu adoro ver aqueles corpinhos bem esculpidos, aqueles sorrisos sedutores, cabelos bem tratados  e cheirosos, e toda a malícia bíblica e infernal com que costumam nos atacar .

O problema está nas despedidas. Gosto daquelas garotas que não deixam vestígios. Adoro as meninas que não dizem nada, e sabem sorrir. Mas aquelas entidades perturbadoras que por vezes surgem sabe-se lá de onde para mudar nossas vidas é que eu preferiria que não existissem .

Elas nunca são a mais perfeita definição de beleza, mas assim se parecem para nós. Nunca dizem a coisa certa, mas sempre nos fazem ouvir. São bruxas que roubam nossas almas e costumam ir embora assim que não oferecemos mais qualquer resistência, deixando o cheiro de sua pele para que sempre as persigamos por aí em cada fio de cabelo de mesma cor que os dela, em cada sorriso de desenho semelhante .

São como gafanhotos.

“- Merda de novo! Eu não pedi para ser amado . Por que raios sempre aparece alguém me oferecendo este tipo de felicidade sazonal ?”

Alguma coisa estava me dizendo que aquela menina não ia ser boa coisa em minha vida. Era algo muito diferente de tudo por que já havia passado .

Eu já ouvi de uma ex-namorada cínica, quando eu disse exatamente tais palavras sobre ela , que “estas coisas são sempre diferentes umas das outras” - talvez a infeliz esteja certa , mas a minha atual crise era por algo mais diferente do que geralmente pudesse ser .

estou bastante ciente de que o amor alheio nunca tem importância para ninguém. A gente só enxerga a “Lovestory” de uma vida quando está dentro dela. Se eu contar metade do que senti ontem à tarde para alguém, ouvirei muitas risadas e piadinhas pelas costas - ou em último caso, serei obrigado a ouvir alguém me confidenciar que já passou por uma história muito parecida e tem sérios conselhos a me dar .

“- Ninguém jamais passou pela experiência que tive com esta menina ! Tenho certeza ...”

Lá fora, o sol começou a nascer, e os primeiros sinais da civilização local começaram a aparecer .

Algumas luzes se acenderam nos prédios vizinhos para reforçar a ainda fraca luz do sol . O sono parecia estar chegando para mim . Estiquei meu corpo no sofá, e puxei um enorme cobertor de lã que estava por lá, já de prontidão.

Meus olhos começaram a me pedir por um longo dia de sono. Cheguei a meu veredicto final :


“- Assim que acordar, ligo para ela , e resolvo tudo ! “

“- Resolver, heim , seu bobão?! Seu idiota sem atitude!” - Falou uma voz dentro de mim .

“-- Depois a gente conversa...”- Respondi encerrando o assunto.






Acordei com meus dedos no telefone :


“- Alô... Oi, sou eu... sei que disse que não te telefonaria ... Sei que você não esperava que eu ligasse, mas ...”

“- E você realmente acha que deveríamos ter acabado tudo por alí?” - ela retrucou.

“- Não exatamente. É que tô ligado que mulheres sempre esperam que sejamos meio desinteressados . Só os caras que não telefonam no dia seguinte conseguem manter alguma dignidade perante vocês... Então... bem, acho que foi isso. Vou me arriscar nessa, porque não?”

“- Verdade. Provavelmente você está certo. Mas é que eu gosto de pensar que sou diferente, faço minhas escolhas de maneira um pouco mais consciente, só pra variar, de vez em quando. Eu sei exatamente o que esperar de um homem, e posso lhe garantir que me ligar no dia seguinte não é um problema muito sério...” (Risos)

“- Melhor pra mim, então. Olha... parece uma pergunta estúpida, mas o que acha que nos aconteceu na tarde de ontem? Quero dizer: todas aquelas coisas estranhas que sentimos e fizemos... Naquele momento, devo confessar, me pareceram absolutamente normais, mas hoje estou assustado... Cacete! O que foi que você pô na minha cerveja?”

“- (Risos) Tantas pessoas já tentaram e nada conseguiram, por que você pensa que eu poderia definir o amor, neste momento, assim, de improviso?”

“- Hmmm... Tá. Tô ligado que você gosta de jogar, e tudo bem. Mas agora vamos falar sério. Estou preocupado, pois não acordei bem. Sei que é engraçado, mas... não me trate como a um tolo qualquer. Já tomei de tudo que já tenha chegado em minhas mãos, mas nem por isso aposte suas fichas em minha frágil noção de realidade. Não estou lhe pedindo definições poéticas a respeito do que fizemos , mas uma razão para crer que não estou perdendo minha sanidade mental de vez, e que não preciso ser internado amarrado em uma camisa de força tomando remédios controlados!”

“- (mais risos sarcásticos) Não estamos falando sobre o mesmo assunto, não é ? Que espécie de respostas você espera de mim? Olha, sinceramente, algumas coisas devem apenas ser apreciadas sem pensar de mais.”

“- Você passou pela mesma experiência que eu, não passou ? Eu sei não imaginei tudo aquilo! - eu acho...”

“- Claro, gatão! Nós transamos! Fizemos amor! Trepamos, e você está apaixonado ... O que mais há para se entender nesta estória? É a razão de estarmos vivos, cara pálida!”

“- (desta vez, eu rindo resignado) Não me subestime, garotinha! Posso estar atordoado e meio maluco, mas ainda estou consciente ... Aquilo foi uma viagem ácida, ou algo semelhante... Mas como foi que você e eu estávamos na mesma trip? Nunca passei por isso antes.”

“- Não pode admitir que está completamente dominado por uma garota, não é? É mais fácil imaginar que passamos por uma experiência sobrenatural ou química, do que aceitar que está apaixonado e jogado aos meus pés... hipnotizado por uma feiticeira do estrógeno.”

“- Vendo por este lado, é... se deixar dominar completamente por estas fantasias e sentimentos incompreensíveis, desejar não mais voltar ao mundo real certamente é algo sobrenatural ... Eu já estou até falando como um guru indiano”

“- Só uma paixão instantânea e sobrenatural, talvez. Isso é quase alucinação.”

“- Eu hoje acordei pensando comigo mesmo, bebê... que motivos eu poderia ter para voltar ao meu antigo e seguro ceticismo sobre se conectar a alguém desta forma?” (perguntei a ela em tom desafiador, desta vez)

“- Tá, agora é melhor eu concordar com você (risos)... Talvez você estivesse mesmo tão drogado que tivesse imaginado coisas absurdas que eu não esteja entendendo. Não é todo dia que temos a certeza de ter feito uma viagem à Lua , através de uma simples transadinha!“

“- Ah, olha aí. Talvez ... talvez... mas como você saberia, então, sobre o que exatamente estou falando, assim com tanta exatidão? Você sabe da lua...”

“- Você fala sobre a viagem à lua? É, talvez eu possa adivinhar pensamentos ...”

“- Ou isso (risos)... mas já entendi... Isto é uma charada... Quer tirar onda comigo, né?”

“- (risos maliciosos) Apenas uma luz ao final de seu extenso e confuso túnel para a minha estrada...”

“- Menina, eu gostaria de poder fazer parte deste seu estranho mundinho de surrealidades corriqueiras ... Parece bem fácil , não é ? Eu é que estou bancando o tolo... Eu deveria fingir que tava tudo normal.”

“- Por que você não tenta simplesmente me mandar flores...?”

“- Escuta... Eu quero te ver de novo...” - (usei minha voz sedutora volume 2)

“- Ver?! Isso é tudo?”

“- Quero sentir seu gosto, beijar sua pele... Levar meus lábios por cada pedacinho do seu corpo...”

“- Seria melhor você tirar minha roupa primeiro, então...”

“- Tolinha... Talvez você já estivesse tirando enquanto eu mordesse seu corpinho quase suado de tanta vontade de ser possuída.”

“- Eu já estaria me sentindo possuída, certamente ...”

“- Dominada!”

“-Geralmente, eu tomo este papel para mim, garoto. Deixe de ser besta.”

“- ah é? Você está tentando me dizer alguma coisa que eu ainda não tenha percebido?”

“- Eu estou apenas falando de sexo, rapaz imaginativo ...”

“- E eu desconfio de feitiçaria!”

“- (risada alta) Tipo voodoo, macumba? Guarde sua criatividade para momentos mais proveitosos...”

“- E o que devo supor de todos aqueles estranhos acontecimentos, a maneira improvável pela qual nos conhecemos?!”

“- Se foi algo assim, estaríamos nós falando de amor eterno e prometido? História escrita pelas mãos de seres superiores do espaço sideral? Almas gêmeas, como novela da tarde?”

“- Pensei mais em suas mãos mesmo... Você escrevendo esta história.”

“- Tenho a impressão de que você ficará decepcionado ...”

“- Decepcionado, não . Estou me sentindo ameaçado. (riso)”

“- O amor ameaçaria alguém ???”

“- O amor de verdade deixaria qualquer pessoa acuada, menina!”

“- Então, para não lhe assustar, eu diria que predestinado talvez não seja a palavra mais adequada. Amor desejado e perseverante, talvez sim. É assim que vejo. Não há mal nisto.”

“- Hmmm, babe... Ainda estamos falando de sexo ?”

“- Sim, esta é a maneira mais sincera que conheço para me comunicar com o homem por quem me apaixonei - sexo dos bons!”

“- E o que acontece se eu não estivesse mais interessado? Sei lá... Isso tudo pra mim pode ser como uma droga pesada... Eu não quero ficar assim , dependente de alguém. Já tenho problemas demais pra resolver neste sentido.”

“- Você está com medo, tolinho... isso nunca parou ninguém de se meter em encrenca”

“- É sim, estou... Mas isso não quer dizer que eu esteja errado em minhas impressões sobre toda esta situação... É até estranho eu estar falando sobre isso...”

“- Mas se ambos quisermos, qual o problema em alguma coisa intensa e incontrolável acontecer, desta forma?”

“- Talvez eu seja ingênuo demais para estas coisas sérias ao extremo ... coisa de homem, sei lá.”

“- Você se considera imaturo, é? Com essa idade?”

“- Ingenuidade é sinal de maturidade sentimental , minha cara! Segurança e desarmamento.”

“- Claro, você deve estar certo! E o amor pleno precisa de um certo grau de infantilidade para existir...” (risos)

“- Não brinque com minhas palavras. Você não é a única pessoa com idéias próprias por aqui! Eu posso estar atordoado, eu sou atordoado por definição, mas já percebi que as regras deste jogo são suas! Respeite a minha insegurança sobre este fato .”

“- Que jogo? Que regras? Somos criativos o bastante para desprezarmos tais bobagens, estou certa?”

“- É. ... ... ... Você poderia, apenas uma vez , me responder a algo objetivamente?”

“- Garotas da minha espécie nunca são objetivas ... Você já deveria saber!”

“- E que tipo de garota é você ?”

“- Uma legítima leonina.”

“- Ah... Agora, fodeu foi tudo! Antes você fosse mesmo bruxa. Mas desta vez, é você quem está apelando para misticismo barato!”

“- Eu estou apenas fazendo uma observação sem importância. Sou leonina , como todas a garotas que já te causaram algum real interesse ... Já percebeu?”

“- É? ... ... ... não havia notado... ... ... Nem eu mesmo saberia te falar sobre o signo de minhas ex-namoradas... de onde você tirou esta história sem sentido?”

“- Sempre gostei de falar bobagens sem sentido para confundir meus namorados.”

“- Você está me incluindo nesta lista cedo demais...”

“- Estou sendo segura e decidida por nós dois. Alguém tem de fazê-lo.”

“- Eu gostaria que as coisas fossem muito mais simples, menina, mas não são. Não a esta altura da vida.”

“- Há! Às vezes você é tão óbvio ...”

“- Não coloque o óbvio em segundo plano... Ele sempre acoberta o inesperado!”

Click.







Na tarde do dia anterior, meu estúdio fotográfico estava lotado. Tinha de fotografar um bocado de gente para uma destas revistas de moda bem enjoadas.

É assim que pago minhas contas. Sou fotógrafo por falta de algo mais interessante para fazer.

Mas naquela tarde, para ser bem sincero, fotografar estava em segundo plano em minha confusa cabeça, como seu eu estivesse adivinhando chuva.

A equipe de produção estava enlouquecida, preparando todos os modelos para as fotos, o ar estava denso, as pessoas correndo, mas eu estava distante, com minha cabeça numa praia deserta, com o vento em meu rosto, observando o mar no horizonte.

Voltava ao nosso planeta apenas para fotografar umas meninas fazendo as já conhecidas caras e poses, enquanto a equipe gritava histericamente coisas como “maravilhosa !” e “poderosa !”.

Tudo aquilo pra mim estava entediante e repetitivo.

A campainha, então, tocou.

Relutei em ouvir, não queria abrir .

Todos me olharam assustados - O silêncio dominou o local. Eu estava em estado de choque , com os olhos fechados. Eles não me entendiam.

Deviam estar pensando que eu estava surtando, ficando maluco.

O problema é que eu sabia com toda certeza quem estava à minha porta, mesmo sem saber quem era e precisava tomar uma decisão que mudaria minha vida, em apenas alguns segundos .

Fui andando lentamente em direção à porta no imenso galpão - Podia-se ouvir cada passo meu sobre o silêncio que se havia imposto no local.

Abri a fechadura com as mãos trêmulas. Ela olhou em meus olhos como se soubesse de tudo. Beijou minha boca suavemente, entrou de maneira muito natural, sentou-se em um cantinho do grande galpão, disposta a esperar por horas, até que terminasse meu trabalho.

E sim , seriam horas.

É preciso explicar que eu já tinha encontrado rapidamente aquela garota havia uma semana daquela visita, em meio a uma grande turbulência aqui no centro da cidade de São Paulo.

Foi tudo muito confuso, mas impossível de se esquecer.

Estava na rua Conselheiro Crispiniano, comprando filmes para minhas próximas sessões de fotos, quando fui pego de surpresa por um tiroteio sem direção certa, quando tentava voltar ao metrô.

Pessoas atiravam para todos os lados, uns contra os outros, enquanto alguns transeuntes inocentes se acotovelavam e corriam para trás dos carros.

Eu era apenas mais um destes desarmados, escondido atrás de um “calhambeque” que parecia já ter passado por situações semelhantes, a julgar pelo estado da lataria, e então, deveria ser o abrigo perfeito para uma guerra civil declarada em dois segundos.

Após cinco minutos de tiros incessantes, sentei-me e relaxei.

“- Vejamos pelo lado bom. Pelo menos a coisa não era comigo.” - pensei.

Levantei lentamente minha cabeça por sobre a “lata-velha”, para enxergar e tentar entender a confusão, quando senti um tranco forte em meu ombro direito.

Uma bela garota de longos cabelos loiros e pele macia, de camiseta regata verde exército e um sorriso desarmador veio se esconder na mesma trincheira que eu!

A diferença é que ela estava disparando uma velha pistola automática contra a galera do outro lado da rua, quase sem mirar em ninguém - atirava para qualquer direção, sem olhar, e mesmo assim parecia estar fazendo algumas baixas.

Até aí, tudo bem... Vivemos em uma cidade cosmopolita.

O problema foi eu perceber que todo mundo naquela cidade estava atirando contra nós...

Ou melhor... Contra ela, que agora era nós.

Após alguns vidros quebrados, ela sentou-se a meu lado para trocar o cartucho, enquanto os tiros lá fora continuavam animados.

Perguntei, meio assustado, meio excitado com aquela visão do melhor que o inferno poderia oferecer, quem eram aqueles caras maus que estavam atirando em nós.

Ela sorriu tranqüilamente e respondeu sem pestanejar :

“-É só a polícia . Não precisa ter medo ...”

Levantou-se, deu mais alguns tiros, e voltou para meu lado :

“-Você se lembra de mim, cara?”

“-Quem? Eu? Lembrar de você? De onde exatamente eu deveria te conhecer?”- Perguntei sem entender mais nada.

“-Ah... Não importa... Posso te visitar na semana que vem, lá no estúdio?”

Olhei direto em seus olhos, ainda tropeçando em minha lucidez , e respondí:

“-Claro...” - O que eu teria a perder mesmo?

A vida andava mesmo tão chata que isto poderia gerar alguma emoção que valesse a pena.

Ela abriu outro belo sorriso para mim, e saiu correndo pelo meio da guerra, sumindo no mundo.

Daí, exatamente uma semana depois, recebi a tal visita que estava lhe falando.

Em meu estúdio, pouco a pouco, as pessoas iam normalizando o ambiente, voltando às suas funções.

Mas meus pensamentos estavam completamente voltados para aquele cantinho onde ela se acomodou tranquilamente, comendo salgadinho de saquinho com soda limonada.

Meus olhos muitas vezes a encontravam meio querendo sem querer.

o tempo se arrastava como uma lesma paraplégica.

No final da longa e chata sessão de fotos, todos começaram a ir embora em seu próprio ritmo, enquanto eu ganhava algum tempo arrumando e limpando cada parte do meu equipamento fotográfico.

Todos vinham se despedir de mim, e eu ignorava.

Quando a última modelo, enfim, foi  embora eu fui acompanhá-la à porta .

Assim que fechei a última tranca, senti aquelas mãos macias me abraçando por trás. Ainda em pânico, fiquei paralisado, pensando na melhor maneira de dispensá-la, fugir dali, sei lá..

Havia uma terrorista linda, loira e sexy tentando me seduzir... Socorro!

Uma coisa é quando você fantasia, a outra é você ter uma fugitiva da polícia te abraçando com uma mochila que deveria estar cheia de granadas.

Seus lábios tocaram meu pescoço, e neste momento, em silêncio, comecei a não mais querer saber é de nada! Pra que resistir às minhas vontades mais profundas?

Mesmo que ela nos explodisse depois, valeria a viagem..

Voltei-me para ela, e com todo o sentimento que pude buscar dentro de mim, agarrando-a firmemente para que não pudesse mais escapar, beijei sua boca lábio por lábio, aproveitando cada momento em que tocava sua língua.

Em meu corpo, a sensação era a de estar saltando de um avião acima das nuvens, sem pára-quedas, em alto mar, sobre um cardume de tubarões famintos.

Sabia que ia dar em merda, mas não tinha mais como voltar.

Não conseguia parar de beijá-la, sem pressa, enquanto minhas mãos exploravam cada centímetro de seu corpo.

Seu cheiro agridoce me deixava em completo êxtase.

Ficava imaginando como teria sido possível que até aquele momento eu tivesse conseguido sobreviver sem aquilo! Nossas mentes foram tornando-se apenas uma, via roteador em fio, ou qualquer coisa que se equivalha a isto em nossa vã biologia.

Tínhamos a completa certeza de que naquele momento nada seria proibido entre nós - não é o que todos os amantes procuram mesmo?

À nossa volta, uma imensa esfera de luz se formava, e gradativamente começamos a sentir a ausência total de gravidade. Nossas roupas ficaram no chão, enquanto fomos flutuando até próximo à lua.

Estranho?

Estranho era eu não achar nada daquilo estranho.

Aquilo era tão normal quanto andar de bicicleta, ou pilotar um F-15 - nada parecia mais extraordinário do que aquela compulsiva vontade que sentia de ter aquela garota esquisita em minhas mãos.

A coisa toda aconteceu por horas e horas, e de uma forma que eu nem saberia como descrever.

Pela manhã, acordamos abraçados em minha cama, com a luz do sol em nossos olhos, entrando pela janela aberta.

Não sei bem em que momento acabamos, ou começamos a dormir. Foi tudo infinitamente fantástico. Ficamos horas olhando pela janela, sem conversar absolutamente nada.

Não precisávamos falar coisa alguma um pro outro. Estar alí era o bastante .

Algumas horas depois, quando foi embora em silêncio, me deixou grandes dúvidas sobre a continuação daqueles sentimentos.

Dúvidas que me levaram à minha atual situação de negociador sentimental, fazendo-me telefonar para ela, sem deixar espaço de tempo para que se abram novos caminhos.

Acho que tentei evitar que continuasse, mas me compliquei ainda mais.

Passei um bom tempo sem vê-la, mas tudo aquilo começou a trazer de volta velhos medos e dúvida sobre a natureza da realidade.

Ou seja... Será que eu estava perdendo de vez a minha lucidez?

Depois deste telefonema, dia após dia, voltei a ter um sonho estranho e recorrente igual ao que me atormentava as noites quando ainda era adolescente, e que há muito tempo eu nem lembrava.

Nestes sonhos, eu podia ver o céu, mas não estrelas. Ficava mais leve que o ar, e flutuava.

Meu corpo ficava adormecido, frágil, formigando.

Eu voava sem permissão da torre de controle - a sensação era a de estar dentro d’água, em um mergulho anti-gravitacional , movendo-se com uma agilidade fenomenal .

Eu acreditava temporariamente na felicidade. Meu corpo dormia tranquilo lá embaixo, esticadão na cama, e isso não me incomodava, nem me assustava.

Estava em outro mundo, em qualquer lugar entre o real e o paralelo.

Não tinha olhos , mas podia enxergar todos os lados, como uma mosca . Eu era realmente humano naqueles instantes.

Navegava rapidamente para onde o vento me levava. Olhava a terra lá embaixo, e a via movendo-se como se o tempo estivesse passando rapidamente através de mim.

As pessoas eram vultos luminosos com um brilho de intensidades e cores diferentes. Instintivamente, eu podia perceber a diferença entre cada uma delas, e sabia que todos ali estavam na mesma situação que eu, em uma viagem intermalucal.

Logo depois desta visão, eu aparecia rápido em uma cidade tumultuada do interior de um país estranho, a julgar pelo estilo das pessoas se vestirem, e das casas simples, que não pareciam ter se quer luz elétrica.

Tudo aquilo era fantástico em meu sonho, e fazia muito mais sentido do que toda a minha alucinógena vida real. Eu podia enxergar e entender as coisas com maior exatidão.

Não entendia os fatos, nem sabia os porquês de coisa alguma, mas percebia emoções e sentimentos concretos captados na atmosfera.

Ficava horas vagando por aquela cidade, mas a noção de “horas” era completamente diferente.

Tudo estava em apenas um plano de tempo - nada estava envelhecendo, nada estava indo pra lugar algum .

As pessoas apenas estavam vivendo lá embaixo, sem nenhum sentido especial. Tempo, para aqueles “humanos”, era espaço físico por onde se podia caminhar.

Uma voz me chamava, como a de uma sereia, me atraindo para uma pequena casa de telhado de palha, e janelas de madeira, cercada por árvores.

Ajoelhada de frente para uma vela acesa, em uma mesa baixa cheia de pequenos artefatos de decoração e bonequinhos de madeira, uma linda garota , com as mãos juntas em seu peito, parecia orar.

Com seus olhos fechados, sussurrava frases incompreensíveis, em alguma língua muito familiar para mim, porém incompreensível.

Sentia meu coração bater forte a cada palavra ritmada que dizia. Meus "olhos" imaginários lacrimejavam, e uma tristeza boa, do tipo que só o amor nos impõe, tomava conta de meu corpo - é preciso explicar que eu sentia como se tivesse um corpo físico, nesta viagem sonífera.

Minha visão, então, ia ficando turva, escurecendo lentamente. Perdia todos os sentidos, e ia voltando para meu corpo, sugado por uma forte energia , até abrir os olhos , assustado.

Estava em meu corpo, mas não era eu. Minhas mãos não eram minhas, minha voz não era a mesma. Não estava em meu quarto. Minhas mãos estavam amarradas a uma árvore, enquanto homens com pistolas antigas gritavam e me ameaçavam, andando nervosamente à minha volta. Não podia entender nada que diziam.

Um dos homens, com uma grossa barba, olhava intensamente em meus olhos, punha sua arma em minha testa, e puxava o gatilho !!!

Sem que eu nada sentisse, voltava a enxergar a garota da casa em sua estranha e constante reza , que abria seus olhos, e , desta vez podia entender o que dizia , enquanto me encarava:

“- Que venha a estrada ! Caminhar é a absolvição . Se o amor eterno existir, lá estarei, ao seu lado , mesmo sem saber .”

Depois disto, nunca me lembro de nada a não ser de acordar, de volta à minha casa normal, em minha cama normal, na minha vida anormal.

Sempre fico tentando entender o que este sonho pode significar, tentando fazer ligações com minha vida amorosa, coisas da vida real que possam estar gerando estas fantasias, quando durmo.

Desta vez, se os sonhos tivessem qualquer relação com a realidade, eu parecia estar mais próximo do que nunca de chegar a descobrir algo realmente desconsertante.

A Estrada



Do mar , da lua , do solo , de dentro das entranhas do ser , sob o signo das mazelas ; destruindo , corroendo e amedrontando ; trazendo consigo a cegueira dos corajosos e a desconfiança dos traídos , ele vive como um verme , um parasita que nos tira a razão , a força , o tempo e o dinheiro .

“Que venha a estrada !!!”

Venha a estrada de pedras mal postas de onde só sairá vivo o que não se deixar levar por suas curvas deslizantes , retiros de sombra e água , bucólicas paisagens e frutos há muito tempo permitidos - caminho cercado por precipícios e mares nem tão profundos quanto deveriam para nos amortecer da queda esperada. .
O fim fatalmente virá , por mais que choremos ou andemos em passos curtos e contidos . Como uma lâmina certeira , cortará nossos pescoços antes que percebamos .

Sem conseguir respirar , soluçaremos e cairemos ao chão sobre nossos joelhos . A primeira lágrima escorrerá , e,só então, teremos certeza de que nada é tão infinito quanto desejávamos- nem a felicidade , muito menos este ridículo sofrimento chamado Amor.